Nunca passei tanto tempo tentando
tomar uma decisão, nada testou mais minha sanidade. Cada dia era um eterno
exercício impossível de tentar prever o futuro, de controlar o que nem existia
ainda.
Repassei mentalmente tudo que eu
gostaria de dizer quando o momento chegasse, O momento, o dia D, quando eu
finalmente colocaria um ponto final em tudo. Adiei esse momento, alonguei o
prazo, cancelei, me arrependi, esperei por uma merda de um milagre enquanto
passava as tardes chorando na cozinha.
Idealizei as falas, o lugar,
idealizei um fim que me parecia correto, o fim dos livro da Martha Medeiros. Merda! É pedir muito? Um fim emotivo, claro, um fim bonito para coroar uma história tão
bonita quanto, um fim com luzes baixas e cheio de sussurros de pedidos de
desculpas e promessas de compreensão eternas. Tudo minimamente calculado,
pensado, revisto, tudo sob controle.
Domingo, dia dos pais, a mesma
tensão de sempre, mas eu tinha o controle, eu tinha ponderado tudo, as malas da
viagem na sala, todas as luzes do apartamento acesas, os gatos miando, muita
bagunça em mim, na sala, nossa filha brincando, mas eu tinha tudo organizado,
vai dar tudo certo, calma, calma, respira.
Eu estou lavando a louça, olhando
meu reflexo no azulejo enquanto ele fala, eu falo, o apartamento é pequeno, mas
não conseguimos nos ouvir. Ele vem a todo momento até a cozinha para repetir,
ele fala, eu falo, não é uma conversa, nunca é, faz muito tempo que apenas
gritamos cada vez mais alto e incrivelmente ficamos mais surdos. Meu coração
batendo na garganta.
E eu disse de uma vez: “quero me
separar, não te amo mais”. Soou falso, ensaiado, ridículo e eu queria colocar
aquelas merdas de novo na boca e continuar a lavar a porra do copo. Não me lembro da resposta, só dos lábios dele
se mexendo, treze anos juntos, a história perfeita, salvamos um ao outro, dois
perdidos numa noite suja, as viagens com o carro lotado, a grana contada, queremos
uma família, sinto sua falta, até semana que vem, o apartamento, meu processo, “foge
Mariana, eu te salvo! ”, somos uma família, nossa filha nascendo, somos uma
família, não sabemos fazer isso, não conseguimos.
Perdi.
[continua]