terça-feira, 9 de maio de 2017

O FIM EM VÁRIAS PARTES - MARIANA NÃO QUER SER SALVA


Nunca passei tanto tempo tentando tomar uma decisão, nada testou mais minha sanidade. Cada dia era um eterno exercício impossível de tentar prever o futuro, de controlar o que nem existia ainda.
Repassei mentalmente tudo que eu gostaria de dizer quando o momento chegasse, O momento, o dia D, quando eu finalmente colocaria um ponto final em tudo. Adiei esse momento, alonguei o prazo, cancelei, me arrependi, esperei por uma merda de um milagre enquanto passava as tardes chorando na cozinha.
Idealizei as falas, o lugar, idealizei um fim que me parecia correto, o fim dos livro da Martha Medeiros. Merda! É pedir muito? Um fim emotivo, claro, um fim bonito para coroar uma história tão bonita quanto, um fim com luzes baixas e cheio de sussurros de pedidos de desculpas e promessas de compreensão eternas. Tudo minimamente calculado, pensado, revisto, tudo sob controle.
Domingo, dia dos pais, a mesma tensão de sempre, mas eu tinha o controle, eu tinha ponderado tudo, as malas da viagem na sala, todas as luzes do apartamento acesas, os gatos miando, muita bagunça em mim, na sala, nossa filha brincando, mas eu tinha tudo organizado, vai dar tudo certo, calma, calma, respira.
Eu estou lavando a louça, olhando meu reflexo no azulejo enquanto ele fala, eu falo, o apartamento é pequeno, mas não conseguimos nos ouvir. Ele vem a todo momento até a cozinha para repetir, ele fala, eu falo, não é uma conversa, nunca é, faz muito tempo que apenas gritamos cada vez mais alto e incrivelmente ficamos mais surdos. Meu coração batendo na garganta.
E eu disse de uma vez: “quero me separar, não te amo mais”. Soou falso, ensaiado, ridículo e eu queria colocar aquelas merdas de novo na boca e continuar a lavar a porra do copo. Não me lembro da resposta, só dos lábios dele se mexendo, treze anos juntos, a história perfeita, salvamos um ao outro, dois perdidos numa noite suja, as viagens com o carro lotado, a grana contada, queremos uma família, sinto sua falta, até semana que vem, o apartamento, meu processo, “foge Mariana, eu te salvo! ”, somos uma família, nossa filha nascendo, somos uma família, não sabemos fazer isso, não conseguimos.
Perdi.
[continua]

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