quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O CHEIRINHO DE COMIDA

E daí que chega o final do ano e eu num estranho estado de alegria e saudosismo. Tá calor lá fora e o dia teima em não escurecer, sinto cheirinho de comida caseira, e me dá um nó no estômago. Lembra minha infância. Deveriam ser boas memórias, mas hoje não consigo. Hoje o que eu me lembro é da força que gastava tentando fazer com que as coisas dessem certo. Minhas notas, minha postura, minha família, meu irmão querido.
Sinto o cheiro da comida e com ela a tensão daqueles dias volta forte. E eu vou subindo as escadas do prédio torcendo para tirar esse cheiro das minhas narinas e desatar os nós do meu estômago, do meu passado.
Vacilo em ter a minha família, filhos, ora essa e como poderia ser diferente? 
Nesse emaranhado de ontens, não quero mais fazer parte daquela cena, não quero trocar de lugar apenas e passar a ser a mãe que prepara o jantar pensando no que poderia ter sido, lamentando um papel de parede que nunca foi colocado, um vidro quebrado na porta da frente, no quarto das crianças que ficou sem porta. 
Porque sempre foi assim, tudo foi ficando como estava naquele mausoléu de tristezas. Consigo lembrar de cada rachadura, da folha da janela quebrada no meu quarto, do bolor na parede e no sininho da porta da cozinha. As lembranças boas sempre voltam com um gostinho amargo no final.  Lembro e estremeço. Porque esse passado é meu, esse passado é o que eu sou, mas tem dias que eu gostaria de esquecer.
Tem dias que o cheirinho de comida é como um soco na minha cara.

Nenhum comentário: