O fracasso estava ali na sala
quando eu acordei na segunda feira, em um letreiro de neon. Piscando sem parar:
perdedora, bam, bam, bam, perdedora, bam, bam, bam. E então eu me levantava
fazia café, cuidava da minha filha durante todo o dia, trabalhava, ouvia uma
porrada de ofensas: “ingrata, insensível, maldita, vingativa, louca, puta, mãe de merda,
interesseira, velha, feia”, ia para a faculdade, desabafava, voltava para casa
cheia de conselhos para mais uma rodada de brigas. Perdedora, bam, bam, bam, perdedora, bam, bam, bam. Não me lembro de como dormia
e nem o que comi durante essa semana.
Meu casamento foi uma forma de eu
existir pelos olhos do outro, de ser alguém. Uma forma muito estranha de me legitimar
na vida magicamente. Fui aparando todas as minhas quinas para caber naquele
espaço, tudo que era demais para ele lidar: um sonho que não sonhava mais, uma
vontade que era esquecida, uma música de não ouvia, uma roupa que eu não usava,
uma amiga que eu não falava. Eu estava sumindo e não queria seguir em frente,
muito menos ficar feliz.
Uma semana depois do fim eu queria estar exatamente
onde estava, não queria me animar, arrumar outro emprego, nem colocar minha
filha na escola, não queria parar de fumar, nem mesmo comer bem, não queria
superar merda nenhuma.
Naquele dia eu sentei na cozinha
e fui infeliz, chorei, reclamei, duvidei da vida, da minha sanidade, perdi a fé
em mim mesma. Eu, a tristeza, o medo, a morte e a loucura tomamos um café da manhã, porque
era domingo de sol, mas eu estava triste. Quis chorar todas as dores passadas,
todas as surras e os insultos, todas as perdas que eu nunca tinha chorado. Chorei pelos
meus lutos, pelos dias de solidão completa. Reverenciei a tristeza da Mariana
criança, da mulher.
Listei tudo o que me foi negado e olhei para tudo o que eu tinha. Não me
movi um milímetro para longe de toda aquela destruição que havia em mim, queria
saborear a conquista de me sentir realmente humana e um lixo. Naquele dia não dei a volta
por cima.